Astreintes

Conceito

Historicamente a astreinte vem como substituição à coerção física.

Na Grécia antiga, a exemplo, aquele que não honrasse com suas dívidas poderia ser condenado a trabalhar como escravo por tempo suficiente à quitação.

Está no senso comum que não pagar ao agiota implicará em surras periodicas até que a dívida seja saldada.

Grosso modo, o castigo físico está na natureza humana, que buscamos conter e afastar com a capa da civilidade.

Logo, conceitualmente, a atreinte se presta a fazer pressão psicológica para que o devedor faça, não faça, entregue ou pague o que lhe foi ordenado.

O delicado equilíbrio da astreinte

Às ilustrações:

Mévio tem reconhecido o direito à religação de energia elétrica em seu imóvel, recusada pela empresa Lamparina S/A. porque o antigo morador estava devendo dois anos. Tendo o juízo reconhecido o direito à religação, pois a dívida de energia é pessoal, mandou ligar em 15 dias, sob pena de multa diária de R$500,00.

Mévio, que já se viarava emprestando a energida o vizinho, cria todo tipo de embaraço para a atuação da empresa Lamparina S/A., uma vez que a cada mês de atraso Mévio embolsaria R$ 15 mil.

Ou seja, a astreinte fixada perdeu sua natureza acessória, meramente coercitiva, tornando-se um fim em si mesma, passando de acessória ao objetivo principal da ação, sob a ótica e pelas ações de Mévio.

Ante tal quadro, a empresa Lamparina pede ao juiza da causa a revisão da astreinte, haja vista que a demora é causada pelo próprio autor.

O juiz, convencido dos argumentos da Lamparina, porém entendendo que a empresa não provou a contento que a demora se deveu a ações de Mévio, limitou a condenação a R$5.000,00.

Considerando que já se passam 30 dias da data comandada, a empresa Lamparina, que já deve o limite de R$5mil, decide esperar o resultado do recurso.

Outra vez, agora pela ótica contrária, a astreinte perdeu sua natureza coercitiva, haja vista que pela empresa tanto faz cumprir a ordem, pois já deve o teto da cominação.

Percebe a complicação?

Por sua natureza, a astreinte é fixada para não ser paga! Basta à parte cumprir a ordem no prazo, que não se fala mais em astreinte.

Contudo, se excessiva, pode substituir o objetivo principal da ação pela ótica do beneficiário, já se limitada ou irrisória, pode ser ignorada pelo obrigado.

É um delicado equilíbrio entre a coerção e o enriquecimento sem causa.

O que diz a Lei

A questão é tratada no CPC no artigo 537, no capítulo VI, seção I, que trata “Do Cumprimento de Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Fazer ou de Não Fazer” :

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I – se tornou insuficiente ou excessiva;

II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

§ 2º O valor da multa será devido ao exequente.

§ 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte. (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência)

§ 4º A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado.

§ 5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.

Jurisprudência:

A jursiprudência, por seu turno, nos traz:

STJ, tema repetitivo 706, com trâsnito em julgado em 27/05/2014, fixou a seguinte tese: “A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada.”

STJ, tema repetitivo 98, com trâsnito em julgado em 26/06/2018, fixou a seguinte tese: “Possibilidade de imposição de multa diária (astreintes) a ente público, para compeli-lo a fornecer medicamento à pessoa desprovida de recursos financeiros.”

STJ, tema repetitivo 149 , com trânsito em julgado em 06/06/2011, fixou a seguinte tese: “É cabível a fixação de multa – de forma proporcional e razoável – pelo descumprimento de obrigação de fazer (astreintes), nos termos do art. 461, § 4º, do CPC, no caso de atraso injustificado no fornecimento em juízo dos extratos de contas vinculadas ao FGTS.”

STJ, tema repetitivo 705, com trânsito em julgado em 27/05/2014, fixou a seguinte tese: “Descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível”.

Súmula 372/STJ: “Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória. (SÚMULA 372, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/03/2009, DJe 30/03/2009)”

STJ, tema repetitivo 1000, com trânsito em julgado em 10/03/2022, fixou a seguinte tese: “Desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e de documento ou coisa que se pretende seja exibido, apurada em contraditório prévio, poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa com base no art. 400, parágrafo único, do CPC/2015.”, sendo importante anotar que o Ministro relator consignou, no voto-condutor do acórdão de afetação, que “não é o caso de revisão do Tema 705/STJ, pois a tese ali fixada dizia respeito ao CPC/1973, na vigência do qual vinha sendo plenamente aplicada” (acórdão publicado no DJe de 6/11/2018).

STJ, tema repetitivo 743, com trânsito em julgado em 03/10/2014, fixou a seguinte tese: “A multa diária prevista no § 4º do art. 461 do CPC, devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.”.

Súmula 410/STJ “A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. (SÚMULA 410, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/11/2009, DJe 16/12/2009, REPDJe 03/02/2010)

Adiante temos um tópico específico sobre a súmula 410/STJ.

FONAJE/ENUNCIADO 22 – A multa cominatória é cabível desde o descumprimento da tutela antecipada, nos casos dos incisos V e VI, do art 52, da Lei 9.099/1995.

FONAJE/ENUNCIADO 120 – A multa derivada de descumprimento de antecipação de tutela é passível de execução mesmo antes do trânsito em julgado da sentença (XXI Encontro – Vitória/ES).

FONAJE/ENUNCIADO 144 (Substitui o Enunciado 132) – A multa cominatória não fica limitada ao valor de 40 salários mínimos, embora deva ser razoavelmente fixada pelo Juiz, obedecendo ao valor da obrigação principal, mais perdas e danos, atendidas as condições econômicas do devedor (XXVIII Encontro – Salvador/BA).

FONAJEF/ENUNCIADO 65 – “Não cabe a prévia limitação do valor da multa coercitiva (astreintes), que também não se sujeita ao limite de alçada dos Juizados Especiais Federais, ficando sempre assegurada a possibilidade de reavaliação do montante final a ser exigido na forma do parágrafo 1º do artigo 537 do CPC/2015”. (Aprovado no III FONAJEF) (Redação atualizada no XIV FONAJEF.

FONAJEF/ENUNCIADO 63 – Cabe multa ao ente público pelo atraso ou não-cumprimento de decisões judiciais com base no art. 461 do CPC, acompanhada de determinação para a tomada de medidas administrativas para apuração de responsabilidade funcional e/ou dano ao erário, inclusive com a comunicação ao Tribunal de Contas da União. Havendo contumácia no descumprimento, caberá remessa de ofício ao Ministério Público Federal para análise de eventual improbidade administrativa. (Revisado no XI FONAJEF)

FONAJEF/ENUNCIADO 149 – É cabível, com fundamento no art. 77, IV, §§ 1º a 5º do CPC/2015, a aplicação de multa pessoal à autoridade administrativa Responsável pela implementação da decisão judicial. (Aprovado no XI FONAJEF) (Redação atualizada no XIV FONAJEF)

FONAJEF/64 – Não cabe multa pessoal ao procurador ad judicia do ente público, seja com base no art. 77, seja nos arts. 497 ou 536, todos do CPC/2015. Aprovado no III FONAJEF) (Redação atualizada no XIV FONAJEF)

FONAJEF/ENUNCIADO 150 – A multa derivada de descumprimento de Antecipação de tutela com base nos artigos 301, 536 e 537, do CPC/2015, aplicados subsidiariamente, é passível de execução mesmo antes do trânsito em julgado da sentença. (Aprovado no XI FONAJEF) (Redação atualizada no XIV
FONAJEF

Súmula 410/STJ

Súmula 410/STJ “A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.” (SÚMULA 410, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/11/2009, DJe 16/12/2009, REPDJe 03/02/2010)

A controvérsia:

O CPC de 1973 exigia a intimação pessoal do devedor. Em 2005 e 2006 houve reformas que trouxeram dúvida quanto à exigência. A questão teve sua jurisprudência consolidada na súmula 410, que fixou o entendimento de que, para a exigência da multa por descumprimento de obrigação de fazer, é necessária a intimação pessoal do devedor.

Após o CPC de 2015 a discussão se reacendeu.

Até o momento (4/2024) o tema é controverso, com maior tendência pela manutenção da súmula, ou seja, pela exigência da intimação pessoal:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. MULTA DIÁRIA. NECESSIDADE DA INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR. SÚMULA 410 DO STJ QUE PERMANECE HIGIDA

1. “É necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula 410 do STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil” (EREsp 1.360.577/MG, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/12/2018, DJe 07/03/2019).
2. Estando o acórdão do Tribunal de origem em harmonia com o entendimento consolidado nesta Corte Superior, não pode ser conhecido o recurso especial ante a incidência da Súmula 83/STJ.
3. Agravo interno não provido.

(STJ – AgInt no AgInt nos EDcl no AREsp: 1749025 RS 2020/0218125-2, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 31/05/2021, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/06/2021)

Já em entido diametralmente oposto:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE.

1. Trata-se, na origem, de Agravo de Instrumento interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra decisão que, em Cumprimento de Sentença proferida em Ação Civil Pública Ambiental, determinou a intimação pessoal dos ora recorridos, não obstante a intimação dos advogados destes.
2. O Tribunal de origem manteve o decisum por entender que “não é suficiente, em se tratando de obrigação de fazer, ou de não fazer, decorrente de decisão judicial transitada em julgado,- sujeita à pena de multa na hipótese de inadimplemento, apenas e tão somente, a intimação dos advogados dos réus, ora agravados, pelo DOE. A intimação pessoal do devedor é requisito imprescindível para a imposição da pena de multa, descumprida a obrigação de fazer, se ou de não fazer, prevista em decisão judicial” (fls. 47-48, e-STJ).
3. Consoante a jurisprudência do STJ, “após a vigência da Lei n. 11.232/2005, não é necessária a intimação pessoal do devedor para o cumprimento da obrigação de fazer para fins de aplicação de astreintes, bastando a comunicação na pessoa do advogado” (AgInt no REsp 1.541.626/MS, Rel. Ministra Nancy Andrigui, Terceira Turma, julgado em 15/5/2018, DJe 21/5/2018). “Não é necessária a intimação pessoal do devedor para o cumprimento da obrigação de fazer, bastando a comunicação na pessoa do advogado, por meio da imprensa oficial” (AgInt no AREsp 901.025/SC, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 2/5/2017, DJe 5/5/2017). “Após a vigência da Lei n. 11.232/2005, é desnecessária a intimação pessoal do executado para cumprimento da obrigação de fazer imposta em sentença, para fins de aplicação das astreintes” (AgRg no REsp 1.441.939/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 19/5/2014).
4. Recurso Especial provido.

(STJ – REsp: 1727034 SP 2018/0032428-7, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 13/11/2018, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/11/2019)

A execução

A obrigação de fazer pode ser fixada:

  • Durante a fase de conhecimento, em tutela antecipada;
  • Na sentença (com ou sem antecipação de tutela);
  • No acórdão (com ou sem antecipação de tutela).

Mesma hipóteses nas quais podem ser fixadas as astreintes.

Caso o magistrado já fixe o prazo e astreinte, não cumprida a obrigação após a intimação (que se recomenda pessoal, para fugir da controvérsia da súmula 410/STJ), a multa já passa a ser devida, podendo, incluive, ser objeto de execução provisória, quando ficará depositada nos autos até o trânsito em julgado.

Caso não tenha fixado, passado o descumprimento, cabe à parte pedir a fixação e nova intimação, a partir da qual, findo o novo prazo, passará a ser devida.

Caso a obrigação de fazer vá ser requerida somente após o trânsito em julgado, na fase de cumprimento de sentença, a multa somente poderá ser exigida após escoado o prazo, a contar da intimação.

Um caso exemplo

Tive um caso aqui em minha lida diária, no qual pleiteava a ligação de energia elétrica no imóvel do cliente. A recusa da companhia de energia se fundava: 1) Que o imóvel estava em lotamento, sendo do loteamento a responsabilidade pela infraestrutura elétrica; 2) que o loteamento era irregular. Na realidade, trata-se de um loteamento regular de chácaras, que foi entregue com os postes pela incorporadora (rede alta), sendo que a companhia estava exigindo que o morador custeasse a rede baixa (transformador + cados), ao preço de 18 mil, como condição para a ligação. Quanto a regularidade, originalmente os terrenos comercializados eram de 20 e 25 mil metros quadrados, com o tempo foram “picados” de maneira irregular, haja vista que a lei de zoneamento, para a área, exige tamnho mínimo de 5 mil metros e, no mínimo, 20 metros de testada.

Pois bem, esta irregularidade subjacente é irrelevante.

Foi proposta ação no JEC, negada a tutela antecipada, com sentença de procedência, na qual foi fixado o prazo de 15 dias para ligação, com astreinte de R$ 500,00 por dia de atraso.

Sobreveio recurso inominado, ao qual não foi atribuído o efetio suspensivo.

Logo, seria possível a execução provisória da obrigação de fazer.

Lembrando: No juizado especial cível, em regra, não cabe antecipação de tutela na sentença, isso porque o recurso inomidado, em regra, não tem efeito suspensivo. Aliás, eu sou da opinião que não cabe tutela antecipada no JEC, por não dispor do recurso de agravo de instrumento, mas isso é assunto para outro momento.

Contudo, caso a decisão fosse reformada pela Turma Recursal, poderia a companhia de energia exigir eventuais perdas e danos de meu cliente, talvez aqueles 18 mil iniciais.

Então, considerando as peculiaridades do caso, aguardamos o julgamento do recurso.

A sentença foi mantida e, de imediato, iniciei o cumprimento provisório da obrigação de fazer, qual seja, ligar a energia. Isso porque, ainda que o acórdão em recurso inominado tivesse sido proferido, ainda poderia caber Recurso Extraordinário ao STF. Assim, antes do trâsnito em julgado, execução provisória.

E aqui chegamos ao bom do direito: os palpites. Aviso aos advogados neófitos: não tenham medo de perguntar, de se expor e de dar um pitaco, sempre com o cuidado de deixar bem claro seus limites de conhecimento no tema.

Pois bem, a sobrinha do ciente, estudante de direito fez o cálculo: a sentença foi publicada em junho de 2023, passados 15 dias, já cabia a atreinte! A energia foi ligada em 28/03/2024, dentro do prazo a contar da intimação, contudo, pelas contas da futura colega, já eram devidos R$129 mil, a contar da sentença. Juntou, inclusive, precedentes de que as astreintes não se limitam ao máximo permitido no JEC (40 salários mínimos).

Então deixo a pergunta, cabe a execução da astreinte nos moldes apontados pela futura colega?


Publicado

em

por

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *