Honorários contratuais de advogado como danos materiais – entendimentos do STJ

A justiça é eudaimônica. Um fim em si.

E mesmo a parte derrotada no processo, ainda que insatisfeita, reconhece a justiça quando ela se faz presente.

Para ilustrar cito um caso meu: A prefeitura moveu contra mim execução fiscal por dívida de IPTU já pago. Na ocasião da citação foi necessário contratar os serviços de outro colega. Apresentados os embargos à execução, a fazenda municipal apresentou desistência da ação, que foi aceita pelo juízo.

A sentença, de 28/07/2023, extinguiu o feito e, com supedâneo na súmula 153/STJ, condenou a municipalidade ao pagamento de honorários sucumbenciais à razão de 15% sobre o valor atualizado do débito.

A inicial, de 23/11/2022, apontava débitos de R$ 4.112,13.

Na mesma linha, prevê a tabela da OAB [1885288261.pdf (oabsp.org.br)], em seu item 9.5, que a “Defesa em execução de natureza fiscal”, preço mínimo de R$ 9.526,76.

Pois bem, a inscrição em dívida ativa e a execução fiscal trazem consigo limitações e consequências para o cidadão que extrapolam o valor da ação em si, a exemplo das restrições de crédito.

Logo, a defesa é uma necessidade que se impõe.

Surge então a pergunta:

Se preciso contratar advogado para me defender em execução fiscal de tributo já extinto (pelo pagamento, no caso), posso pedir o reembolso dos honorários contratuais, uma vez que configuram dano material?

Pelo justo, digo que sim, deve o estado reembolsar os honorários contratuais que, no caso, se traduzem em danos materiais. Contudo, o STF tem se posicionado de maneira contrária, cabendo o estudo:

A reparação integral e o STJ:

Iniciemos o estudo no ano de 2011, com a decisão no REsp 1.134.725/MG, no qual a ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma, entendeu que, com base na tese da reparação integral, os honorários contratuais deveriam, ser ressarcidos à parte lesada.

Ainda em 2011, no julgamento do EREsp 1.155.527/MG, o entendimento foi alterado.

Em voto-vista nos embargos de divergência, a ministra Nancy Andrighi destacou que “a expressão ‘honorários de advogado’, utilizada nos arts. 389, 395 e 404 do CC/02, deve ser interpretada de forma a excluir os honorários contratuais relativos à atuação em juízo, já que a esfera judicial possui mecanismo próprio de responsabilização daquele que, não obstante esteja no exercício legal de um direito (de ação ou de defesa), resulta vencido, obrigando-o ao pagamento dos honorários sucumbenciais” (EREsp n. 1.155.527/MG, rel. min. Sidnei Beneti, 2ª seção, j. em 13.6.12).

Em seguida, tanto a 2ª como a 3ª turmas proferiram decisões favoráveis à restituição, cabendo citar: (i) AgRg nos EDcl no REsp 1.412.965/RS, rel. min. Sidnei Beneti, 3ª turma, j. em 17.12.13; (ii) AgRg no AREsp 606.676/RS, rel. min. Humberto Martins, 2ª turma, j. em 10.2.15; (iii) AgRg no REsp 1.410.705/RS, rel. min. Humberto Martins, 2ª turma, j. em 10.2.15; e (iv) AgInt no AREsp 809.029/SC, rel. min. Herman Benjamin, 2ª turma, j. em 9.8.16.

A incerteza, desde 2016, vem tomando rumo pela não indenização, haja vista que a parte vencida não pode ser condenada a pagar honorários contratuais firmados “em circunstâncias particulares totalmente alheias à vontade do condenado” (EREsp n. 1.507.864/RS, rel. min. Laurita Vaz, Corte Especial, j. em 20.4.16).

Passou a se consolidar a tese de que o dispêndio com honorários contratuais de advogado não constitui ilícito indenizável, sendo manifestações do livre exercício dos direitos constitucionais do contraditório, ampla defesa e acesso à justiça, como pode ser compilado das decisões: (i) AgRg no AgRg no REsp 1.478.820/SP, rel. min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, j. em 12.4.16; (ii) AgRg no REsp 1.533.892/SP, rel. min. Moura Ribeiro, 3ª turma, j. em 2.6.16; (iii) REsp 1.696.910/SP, rel. min. Herman Benjamin, 2ª turma, j. em 16.11.17; (iv) AgInt no REsp 1.675.581/SP, rel. min. Lázaro Guimarães (desembargador convocado do TRF-5), 4ª turma, j. em 27.2.18; e (v) AgInt no AREsp 1.254.623/MG, rel. min. Luis Felipe Salomão, 4ª turma, j. em 25.6.19. 

Como se nota, os honorários contratuais de advogado são entendidos pela corte como exercício regular de direito, não constituindo ilícito indenizável, ponderando que já existe o mecanismo de compensação na esfera judicial, pelos honorários de sucumbência, sendo a esta a espécie a qual se referem os artigos 389, 395 e 404 do CC:

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.

Na seara administrativa:

Já em 2023 uma nova hipótese foi levada à corte: A reparação do quanto dispendido com honorários de advogado na esfera administrativa, que não conta com o mecanismo dos honorários de sucumbência.

No AgInt no AREsp 2.135.717/SP, no qual a parte buscava recuperar o quanto gasto com profissionais qualificados que, administrativamente, embasaram o cancelamento de multa milionária imposta pela prefeitura de São Paulo, o resultado foi o mesmo: entendeu a corte pelo não cabimento:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. RESTITUIÇÃO A TÍTULO DE DANOS MATERIAIS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. ACÓRDÃO DE 2º GRAU EM DISSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

  1. Agravo interno aviado contra decisão que julgara recurso interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/15.
  2. Trata-se, na origem, de Ação de Indenização ajuizada pela parte ora agravante em desfavor da Prefeitura Municipal de São Paulo, com o objetivo de obter o ressarcimento dos danos materiais advindos da contratação de advogados, técnicos e juristas renomados para a defesa de seus interesses em processo em que fora autuada pela demolição de imóvel em que desenvolvia empreendimento imobiliário. O Tribunal de origem reformou a sentença, que julgara improcedente a demanda.
  3. O acórdão recorrido encontra-se em dissonância com a jurisprudência desta Corte, segundo a qual “a contratação de advogados para defesa judicial de interesses da parte não enseja, por si só, dano material passível de indenização, porque inerente ao exercício regular dos direitos constitucionais de contraditório, ampla defesa e acesso à Justiça” (STJ, AgRg no AREsp 516.277/SP, 4ª turma, rel. ministro MARCO BUZZI, DJe de 4/9/14). Nesse sentido: STJ, AgInt na PET no AREsp 834.691/DF, rel. ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, 2ª turma, DJe de 13/2/19; REsp 1.696.910/SP, rel. ministro HERMAN BENJAMIN, 2ª turma, DJe de 19/12/17; AgRg no AgRg no REsp 1.478.820/SP, rel. ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 3ª turma, DJe de 19/4/16; AgRg no AREsp 810.591/SP, rel. ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, 4ª turma, DJe de 15/2/16.
  4. Na hipótese, estando o acórdão recorrido em dissonância com a jurisprudência sedimentada nesta Corte, merece ser mantida a decisão ora agravada, que conheceu do Agravo, para dar parcial provimento ao REsp interposto pelo município de São Paulo, a fim de reconhecer a impossibilidade de a municipalidade arcar com os honorários contratuais do profissional contratado pela parte autora.
  5. Agravo interno improvido. 

    (AgInt no AREsp 2.135.717/SP, rel. min. Assusete Magalhães, 2ª turma, j. em 30.10.23).

Com previsão contratual:

Outra situação que merece atenção foi no julgado no REsp 1.644.890/PR, em 18/08/2020: naquele caso a 3ª turma entendeu devido honorário contratual, uma vez que o contrato de locação de loja em shopping center previa a atribuição.

No caso, a corte privilegiou a autonomia da vontade.

Conclusão

Nos parece que a tese fundamental pelo STJ seja da ocorrência do bis in idem entre a condenação legal do vencido no pagamento dos honorários sucumbenciais com o pagamento também dos honorários contratuais.

A questão, apesar da jurisprudência pender pela não condenação, não nos parece concluída, com muitos aspectos e particularidades ainda não delineadas pela corte da cidadania.

A exemplo: a condenação do vencido ao pagamento de honorários contratuais poderia dar margem a excessos, em especial porque não há limites superiores para os honorários de advogado. Logo, nos parece que uma premissa interessante seria limitar a condenação a tal título ao mínimo previsto pela OAB, haja vista não ser livre a contratação por valores menores que o estipulado pelo órgão de classe.

Na mesma linha, e sendo o que entendemos por argumento mais forte, existe o sentimento de justiça, tal como descrito na introdução desta postagem: A prefeitura, por fortuito interno, ingressou com execução fiscal de tributo já pago. O cidadão, para se precaver das consequências da execução fiscal, viu-se obrigado a contratar profissional para sua defesa. Teve reconhecido seu direito, porém, arcou com os honorários contratuais, não por liberalidade, mas por uma necessidade imposta pelo fortuito interno da prefeitura.

Nos parece que, no caso, o justo seria a indenização integral.

REFERÊNCIAS:

Indenização pelos honorários contratuais pagos pela parte vencedora à luz da jurisprudência do STJ (migalhas.com.br)


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