Intenção de gravame, o que é isso?

O “causo”: meu amigo Gerson vendeu seu automóvel a Tício. O comprador não conseguiu transferir, pois consta no Detran “intenção de gravame” pelo banco ABC, em nome de Mévio. O que é essa “intenção de gravame”?

Pois bem, nos financiamentos de veículos a modalidade mais comum é a “alienação fiduciária”, cujo conceito precisa ser compreendido:

Alienação fiduciária

Fidúcia vem do latim e significa confiança. Então o termo “alienação fiduciária” pode ser reescrito como “transferir em confiança”. O que, cá entre nós, não faz muito sentido, já que a confiança não demanda garantias….

Então, a alienação fiduciária pode ser mais corretamente entendida quando escrita como “dar o bem em garantia”.

Um exemplo: nosso querido amigo Semprônio tomou com o banco XYZ 50 mil Reais para comprar uma joinha, um Opala 77 lindão. Observe: o negócio entre Semprônio e o banco XYZ não tem nada a ver com o carro, é pura e simplesmente um contrato de empréstimo.

Porém, Semprônio deu o carro em garantia ao banco, garantia de que vai pagar a dívida.

Logo, o Opalão é do banco até que seja quitada a última parcela!

Em breves linhas é isso.

A intenção de gravame

Pois bem, feito o negócio entre Semprônio e o banco XYZ, tão logo entrega o dinheiro o banco registra (adiante explico como) a intenção de gravame, que é uma restrição no Detran.

Essa restrição impede que o automóvel seja transferido para qualquer outra pessoa que não para Sempronio.

De forma mais simples:

Zé vendeu o Opalão a Semprônio. O banco depositou o dinheiro na conta do Zé e já registrou a “intenção de gravame”, de modos que não pode o Zé, agora que recebeu o dinheiro, vender o carro para outro, pois somente vai ser possível transferir para Semprônio.

Então Gerson deu um golpe? Vendeu o carro para duas pessoas? Não exatamente, mais a frente tudo se esclarece.

Como se opera a intenção de gravame?

O lançamento é feito pelo banco/financeira, através do Sistema Nacional de Gravame (SNG), que se comunica diretamente com as bases de dados oficiais do Detran (estadual) e Denatran (federal).

Feito o lançamento, pelo banco, seus efeitos são:

  • O automóvel somente pode ser transferido à pessoa indicada no gravame;
  • Caso não transferido em 30 dias, impede também o licenciamento e, por consequência, a circulação.

Em São Paulo, é regido pela Portaria Detran-SP nº 2.762/2008, que, dentre outras providências, alterou a Portaria Detran nº 1.606/2005, incluindo o artigo 3ºA:

Artigo 3ºA – Registrada a inclusão do gravame pela instituição financeira, incumbirá ao adquirente ou proprietário do veículo, no prazo máximo de 30 dias após a data da inclusão, proceder à emissão de novo Certificado de Registro de Veículo – CRV.
§1º – Decorrido o prazo previsto no caput deste artigo, a inclusão do gravame será considerada definitiva e sua alteração/cancelamento ou correção será tratada como um novo processo de registro e emissão de Certificado de Registro de Veículo – CRV, observada a incidência da “multa por falta de averbação”.
§2º – Fica vedado a realização do licenciamento anual do veículo quando da inserção de gravame realizado pela instituição financeira e não realizado o novo processo de registro e emissão dos Certificados de Registro de Veículo – CRV e de Registro e Licenciamento de Veículo – CRLV.

Logo, a conclusão que nos interessa: banco restringe, banco libera!

A solução do caso

Um exemplo de gravame colhido no Detran, também é possível consultar pelo site, porém, não vão aparecer os dados do comprador:

Muito bem, ao caso do Gerson:

Fraude. Foi fraude e, infelizmente uma que a cada dia está ficando mais comum.

Explico: Os bancos e financeiras concorrem entre si e, para ganhar clientes, facilitam ao máximo a contratação para serem os preferidos dos estacionamentos e lojas de carros. Pedem nada, depositam em qualquer conta, mesmo na conta de quem não é o proprietário resgistrado…

Eu mesmo estou aqui enrolado com um Siena. Comprei o carro zero em 2014, vendi em 2020, precisei comprar de volta porque o banco PAN diz que o carro é dele…. O banco inseriu a intenção de gravame, em nome de uma pessoa da capital paulista e depositou o dinheiro para uma revenda de carros em São Caetano.

Reclamei no banco e nada!

Entrei com ação, veio a ordem para baixar o gravame, porém, o banco colocou outra, de estelionato… que vai servir de base para outra história.

Voltando ao Gerson, foi a mesma coisa: o banco pagou para um estacionamento e inseriu a intenção de gravame. Encontramos a pessoa, que já tinha processado o banco porque seu nome foi parar no SPC…

Feita a reclamação, o próprio banco levantou o gravame, reconheceu a fraude e tudo certo, vida que segue. (não era o banco PAN nesse caso!)

Então a dica: apareceu uma intenção de gravame indevida, ligue imediatamente para o banco que a inseriu, registra a reclamação. Costuma resolver. Caso não, será preciso mover ação na justiça, que pode ser no juizado especial, porém, é sempre melhor consultar um advogado de sua confiança.

É isso.


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