Seguro, o veículo de terceiro que teve perda total pode ser indenizado por valor menor que a tabela Fipe?

O “causo”: O automóvel do meu amigo Jorge foi atingido enquanto estacionado. Teve perda total. O causador do dano assumiu a responsabilidade e acionou o seguro. A seguradora pagou 44.600,00 pela perda total (com a transferência da sucata para a seguradora), porém, segundo a tabela Fipe o preço em 12/2022 era de R$51.000,00.

A empresa (Azul Seguros, tal qual a maioria das seguradoras) alegou que:

A dúvida: está certa a segurada em pagar menos que a Fipe?

Como consumerista, ainda que a questão se fie também na responsabilidade civil e direito securitário, entendo que não está correta a seguradora. Entendo que deva pagar ao terceiro o valor da tabela Fipe que, de mais a mais, representa de forma isenta o valor médio do bem.

Pensemos juntos numa situação hipotética:

  • Em outubro de 2020 eu vendi um automóvel por um preço maior que a tabela Fipe (que representa a média), isso porque tratava-se de um veículo de fabricação 2018, modelo 2019, com pouco mais de 20 mil Km rodados, com todas as revisões na concessionária. Ou seja, valia mais que a média da Fipe pelo impecável estado de conservação.
  • Caso este automóvel tivesse sido atingido estacionado, como foi o do Jorge, tivesse tido perda total, como eu provaria para a seguradora que valia mais que a Fipe?
  • O mesmo pelo outro lado, com o carro destruído, como a seguradora prova que o carro valia menos que média estampada na Fipe?

Parafraseando Carls Sagan: “Alegações incríveis exigem provas incríveis“.

Na minha visão, a seguradora se aproveita do estado de necessidade do terceiro. Haja vista que uma ação judicial pode demorar anos, acaba a seguradora forçando o cidadão a aceitar menos do que lhe é de fato devido, com a promessa de pagamento rápido.

Por outro lado, como a diferença acaba não sendo tão grande, apesar de expressiva, não compensa a quem sofreu o dano contratar advogado para buscar a reparação judicial.

Em tal cenário, sugiro um passo a passo para restabelecer o justo:

O passo a passo para resolver:

A pretensão resistida

Antes de buscar socorro nos braços da Justiça é preciso tentar resolver de forma amigável. É preciso buscar o acordo e, com isso, ir juntando provas de que a pretensão (aquilo que se quer) eventualmente levada a Justiça foi injustamente resistida (negada) pela parte contrária.

Então, primeiro, registre uma reclamação no atendimento/ouvidoria da seguradora, pedindo o pagamento da diferença. Faça de preferência por escrito ou, se por telefone, grave ou anote todos os protocolos, escrevendo o que fez. Exemplo: “No dia 10/01/2023 liguei na seguradora Xyz, pedindo a diferença entre o que foi pago e a tabela Fipe, falei com Mévio, que registrou a reclamação, passando o protocolo 123456”.

Caso não resolva, veja se a empresa está cadastrada no site consumidor.gov.br, caso sim, tente a mediação por lá. (a Azul seguros está lá).

Pode, ainda, usar o Reclame Aqui.

A ação judicial

Caso não resolva, o caminho é procurar o Juizado Especial Cível (no popular: “pequenas causas”).

Conte o acontecido, seguindo o modelo, adaptando ao seu caso:

AO JUÍZO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE [NOME DA CIDADE]

[Nome], brasileiro, [extado civil], CPF nº, residente na [endereço], venho à presença de Vossa Excelência propor ação indenizatória contra [nome da empresa], CNPJ nº, com sede na [endereço da empresa], pelas seguintes razões:

DOS FATOS E DO DIREITO:

No dia 01/01/2023, deixei meu automóvel Placas abc123, modelo XPTO, estacionado na rua 1, nesta cidade. Por volta das 15h fui avisado que tinham batido no meu carro.

O outro motorista assumiu a culpa pelo acidente, acionando a seguradora, que declarou perda total.

Porém, ao invés de pagar o preço da tabela Fipe, que na data do acidente era de 51 mil Reais, pagou apenas 46 mil Reais.

É importante: esse era meu único automóvel e, estando com a esposa grávida, fui forçado a aceitar pelo estado de necessidade, pois precisava com urgência comprar outro veículo, como de fato fiz, ainda que em pior estado que o perdido. Assim, desde já peço a declaração de nulidade de eventual quitação.

Por seu turno, a seguradora alega que paga o “valor médio de mercado” por ela calculado; que não está obrigada a pagar a tabela Fipe, por força de contrato.

Em sentido contrário, a tabela Fipe representa justamente o valor médio dos automóveis, calculado por instituto isento, alheio ao processo. Não nos parece justo que aquele que deve indenizar determine o valor.

E ainda mais, se aproveita do estado de necessidade do credor, haja vista que a recusa ao recebimento menor que o justo implica em espera por período incerto.

Pela ótica legalista, tem-se que a Justiça deve buscar a utópica reparação integral, restituindo e compensando ao lesado a exata medida de seu dano, é o que se extrai do art. 5º, inc. V e X da CF/88, combinados com os arts. 186, 927 e 944 do Código Civil vigente (princípio da restitutio in integrum), cujo teor merece ser reproduzido:

CF, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

CC, Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

CC, Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

CC, Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Isto posto, tem-se que para justifica pagar valor menor deve a seguradora comprovar que o automóvel estava em mau estado, fato impossível, haja vista que o veículo estava em excelentes condições que, na verdade, implicavam em valor maior que aquele médio medido pela Fipe, de modo nenhum abaixo. Tanto o é que, com o valor recebido, acabei adquirindo veículo em muito pior estado do que aquele que foi retirado.

Não suficiente, conforme provas juntadas, tentei contato com a empresa ré por sua ouvidoria, assim como registrei reclamação no serviço de mediação pelo site consumidor.gov.br, sem sucesso.

Para comprovar o alegado junto com esta petição o boletim de ocorrência, a troca de mensagens com a seguradora, as reclamações (e tudo o mais que achar necessário). Assim como requer a produção de outras provas que se fizerem necessárias ao deslinde do caso.

Ao final, peço:

  1. A citação da empresa Xyz;
  2. A designação de audiência de conciliação;
  3. A procedência da presente ação para:
    • Condenar a ré ao pagamento de XXXXX, acrescido dos consectários legais, correspondente à diferença entre o valor da tabela Fipe na data do acidente e o valor efetivamente pago.

Dá à causa o valor de XXXXXX (o mesmo pedido)

[Cidade e data]

[Assinatura]

É isso!


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