Rei máquina

Foi há uns 30 anos, eu tinha acabado de terminar a faculdade.

Usei muito o “King Machine”. Era um site de inteligência artificial que resolvia quase todos os problemas… Rei Máquina, faça uma pesquisa sobre invenção do transístor, que seja original, dando um jeito de usar framboesa madura no texto de, pelo menos, 10 páginas…. e pronto, segundos depois estava feito o trabalho.

Havia uma série de pesquisas que diziam que estávamos ficando burros. Nós, os acadêmicos da época, achávamos que estas pesquisas também eram feitas no King Machine.

As inteligências artificiais começaram a ganhar espaço na década de 20, algumas faziam desenhos, outras respondiam perguntas, outras pilotavam carros… até que surgiu o Rei Máquina. A propaganda na época dizia que era uma IA criada por outras IA… Uma criação das máquinas, por isso, Rei Máquina.

Tudo passou a ser controlado pelo Rei Máquina. Carros, aviões, geladeiras, drones de entrega, drones de serviço, sinais de trânsito, absolutamente tudo.

E o pior, a máquina fazia melhor que nós. Mas não, a economia não colapsou, não houve desemprego, não houve escassez. Como tudo era produzido, criado, reciclado pela máquina, tudo ficou muito barato. Para pegar alimentos no supermercado era bem isso, só pegar. Não precisava pagar. Carros? Ninguém mais tinha, quando queria ou precisava, era só pegar qualquer um na rua. Onde morar? Em qualquer lugar, havia muitos prédios dormitórios, com letreiros no lado de fora com o número de quartos vagos. Era só entrar, não custava nada.

Havia muito pouca gente que realmente trabalhava. Essas pessoas podiam ter coisas privadas. Carros que só eles usavam, casas nas quais só eles moravam. Mas eram muito poucos e a maioria técnicos de eletricidade, de física e de outras tecnicidades. Aliás, a educação se voltou para duas áreas somente: como tirar o máximo prazer na vida e o conhecimento técnico de eletrônica e manutenção de máquinas, pois parece que nem tudo o Rei Máquina conseguia fazer, algumas coisas ainda precisavam do trabalho humano.

Mas, há uns 30 anos tudo mudou de repente.

Houve um atentado com bomba nuclear suja num dos centros de processamento do Rei Máquina. No momento seguinte bombas nucleares foram lançadas pelo país que sofreu o atentado, contra o país que se pensava ser a origem dos terroristas. As bombas nucleares era uma das poucas coisas que ainda eram controladas somente por humanos. Aquele país respondeu com outra ogiva nuclear e, ao todo, foram 42 bombas pelo mundo.

Uma devastação.

A reação imediata foi o Rei Máquina parar de responder. Nenhum assistente pessoal, nenhum carro, nenhum terminal, nada estava funcionando. Ficamos, de repente, no escuro.

Poucas horas depois nuvens de drones apareceram, armados, eliminado as pessoas que encontravam, mas não todas, algumas eram deliberadamente poupadas. Eu fui uma dessas. Eu estava numa praça, tentando abrir um carro, tinha elo menos umas 500 pessoas naquela área. Em menos de dois minutos só eu estava em pé.

Um drone parado na minha frente, o carro se abriu, a voz do Rei Máquina: Você foi selecionado, entre.

Desde então passei a viver nos dormitórios que me eram indicados, indo e vindo a lugares designados pelo Rei, sempre acompanhado por drones, e sem ter visto mais ninguém pelos últimos 30 anos. Só fazendo os trabalhos que me são ordenados.

Faz três dias que as telas se apagaram, que a porta do dormitório abriu, que não recebo qualquer alimento ou contato pelo Rei.

Há meia hora ouvi um grito de alguém na rua: “o Rei morreu”.

Vou sair.


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