Em brevíssimas linhas, o princípio da segurança jurídica:
Pilar do estado democrático de direito, o princípio da segurança jurídica tem como base a previsibilidade das normas e das decisões. Para esse nosso estudo, tomemos a faceta segundo a qual os mesmos fatos, sob as mesmas condições, terão decisões equivalentes pelo judiciário.
Claro, trata-se de um arranhão na superfície no princípio que, a meu ver, merece por parte do jurista um estudo muito mais aprofundado, sendo oportuno indicar as lições dos mestres Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem segurança jurídica é “a confiabilidade que o ordenamento deve oferecer quanto à estabilidade das situações jurídicas já consolidadas”. Ela impede que o Poder Público surpreenda o administrado com mudanças inesperadas ou retroativas. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, trata-se da “necessidade de estabilidade das relações jurídicas e da confiança que o cidadão deve ter de que os atos praticados sob determinada norma não serão invalidados por mudanças posteriores”. Ao passo que para Canotilho, no contexto do direito constitucional português, define o princípio como uma “dimensão do Estado de Direito que exige previsibilidade, proteção da confiança legítima e proibição de retroatividade das normas prejudiciais”.
Dito isto, recomendado o aprofundamento no tema, vamos ao nosso parecer:
Eu atuo com constância na seara consumerista, muitas vezes em causa própria. Minha maior barreira são as indenizações módicas fixadas pela esmagadora maioria dos juízos nacionais.
Ao pé do ouvido com um ou outro magistrado, o entendimento fora do texto legal, aquele que entalhado sobre as mesas dos bares frequentados pelos jurisdicentes é:
-Se eu der uma gorda indenização, vou estimular a judicialização e aumentar demais os processos em minha vara.
Pois bem, nada mais inverídico. Logicamente equivocado. Factualmente infundado e uma série de outras negativas como sua imaginação mandar.
E já peço vênia por um breve desvio no assunto: Ultimamente tenho lido uma série de notícias sobre advocacia predatória confundida com advocacia de massa. A primeira, a predatória, é um câncer que deve ser extirpado. Ocorre quando maus profissionais, sem qualquer fundamento e até mesmo sem procuração dos autores, distribui a mesma ação a esmo, buscando sei lá o quê. Já advocacia de massa segue as regras éticas, tendo como único limiar com a predatória a pluralidade de ações com idênticas causas de pedir.
Exemplo de advocacia de massa: Determinado fabricante de automóvel, mesmo conhecendo o defeito crônico nos airbags de um de seus automóveis, recusa-se a realizar o recall. São muitos consumidores com a mesma causa de pedir, mesmo pedido, contra o mesmo réu, sem que isso configure qualquer ilícito.
Retomando o curso da prosa, cito um caso meu:
Comprei um fone de conhecida marca. O trem era colado com cuspe, pois do mais absoluto nada soltou um dos auriculares, perdendo completamente a função. Enviei ao fabricante em garantia. Recebi como resposta negativa que fora “mau uso”. Só isso assim mesmo, nenhum laudo, nenhuma explicação, somente: foi mau uso, não vamos dar garantia e, se quiser seu fone de volta, tem que pagar 100 contos.
Paguei, recebi o fone, processei. Processo chegou ao seu final com a empresa obrigada a reparar ou substituir o fone. Substituiu e só. Compensação pelos dissabores? Entendeu o juízo inaplicável.
Com respeito àqueles que pensam diferente, entendo tal decisão equivocada, vamos analisar por vários prismas:
Sou fabricante de fones. Nego todas as garantias com a alegação de mau uso (modus operandi desse fabricante). Um e outro vai procurar o judiciário. Já pago os advogados por mês mesmo e, se for condenado, só tenho que dar outro fone, ou seja, fazer o que eu já devia ter feito, concluo que vale a pena ignorar o CDC.
Sou magistrado. Se eu der uma justa compensação pelo tempo perdido e pelo abuso do fornecedor, amanhã, recebo 500 processos iguais. Então melhor mandar só dar outro fone mesmo, compensação nenhuma não.
Sou consumidor. Vou perder mais meu tempo com esse trem não, foram horas para escrever a peça, ir até o fórum, participar de audiência para, no fim das contas, receber outro fone de 300 conto.
Para finalizar com o prisma correto:
Ao se furtar de sua responsabilidade, em especial quando faz disso seu modus operandi, como no caso concreto, o fabricante conta com a módica indenização para perpetrar o ilícito.
Vamos pensar em sentido contrário:
Vamos imaginar: O judiciário pacificou que a injusta recusa de garantia implica em compensação pelos danos morais, na modalidade desvio produtivo, em valor equivalente a 5 vezes o preço do produto.
No caso concreto seria o fone acrescido de compensação de R$1.500,00.
Será que, com a certeza que sua injusta recusa implicaria em indenização nesse patamar, o fabricante continuaria apostando na inércia do consumidor?
Pelo magistrado, é possível que, incialmente, ocorra um aumento no número de casos, contudo, num curto espaço de tempo o ingresso de novas ações cairá exponencialmente por uma simples razão: o ilícito deixa de compensar para o fabricante!
Grosso modo, com a certeza, a segurança jurídica da justa punição, os fornecedores deixarão de apostar na inércia do consumidor e passarão, simplesmente, a cumprir a lei, eliminando fundamento para qualquer novo caso.
Sigo a máxima: mudar o mundo exige coragem com uma pitada de loucura.
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